Estamos todos no mesmo barco

Todos nós carregamos o desejo intrínseco de pertencimento, e, ao mesmo tempo, um profundo medo da rejeição. É por isso que, para equilibrarmos estes dois sentimentos ambíguos, buscamos primordialmente fazer parte daquelas coletividades que compartilham dos mesmos interesses e pensamentos. A chance de pertencimento aumenta, enquanto diminui a possibilidade de rejeição. Daí surgindo, por exemplo, o grupo de moradores do condomínio, a turma do futebol, a tribo do pedal, e também a confraria de vinhos.

Todas estes são exemplos de agrupamentos de indivíduos que possuem algum tipo de interesse e pensamentos similares, e que passam a colaborar em prol dos mesmos objetivos. Desta forma, o grupo de moradores do condomínio reúne condôminos que se engajam em atividades a favor do condomínio, a turma do futebol reúne atletas que se engajam em atividades a favor da prática do futebol, a tribo do pedal reúne ciclistas que se engajam em atividades a favor do prática do ciclismo, e assim por diante.

Se por um lado, fazer parte de agrupamentos nos ajuda a interagir com outros indivíduos, por outro, traz algumas armadilhas que devemos evitar a todo custo:

A primeira delas é reduzirmos os indivíduos aos seus agrupamentos. Indivíduos são muito mais complexos do que os agrupamentos a que fazem parte. Achar que ao se conhecer os agrupamentos, se conhece também os seus indivíduos, é uma terrível generalização, e uma fonte inesgotável de preconceitos. É achar, por exemplo, que ao se conhecer as características genéricas da tribo do pedal, se conhece também os interesses e pensamentos de todos os indivíduos que praticam o ciclismo.

A segunda armadilha se expressa exatamente no sentido contrário da armadilha anterior. É generalizarmos todos os indivíduos de um agrupamento, a partir do conhecimento de apenas um dos seus membros participantes. Neste caso é acharmos que ao se conhecer os interesses e pensamentos de um atleta da turma do futebol, passamos também a conhecer os interesses e pensamentos de todos os demais atletas deste mesmo agrupamento.

A terceira armadilha é pensarmos que os indivíduos estão confinados a um único agrupamento. Pelo contrário. O natural, inclusive, é encontrarmos indivíduos participando de diversas agrupamentos ao mesmo tempo, ou seja, manifestando diversos tipos de interesses e pensamentos. Um indivíduo, por exemplo, pode muito bem se engajar concomitantemente em atividades a favor do condomínio, do futebol, do ciclismo e da confraria de vinhos.

A quarta armadilha é achar que o indivíduo que faz parte de um agrupamento partilha de todos os interesses e concorda com todos os pensamentos advindos desta coletividade. Puro engano. O engajamento a uma coletividade pode vir em gradações ou mesmo ser condicional, ou seja, o indivíduo pode se harmonizar pouco ou muito com as idéias daquele agrupamento a que faz parte, ou qualquer variação entre estes dois extremos, e ainda condicionar esta harmonização a diversos fatores. Por exemplo, um indivíduo pode ser extremamente favorável à prática do futebol, desde que não atrapalhe o descanso dos moradores do condomínio. Outro indivíduo pode ser favorável a consumir vinhos, desde que não se pratique ciclismo logo na sequência.

Finalmente, a mais perigosa armadilha é acharmos que só o nosso agrupamento importa. É acharmos que todos que estão fora do nosso agrupamento estão errados. É nos fecharmos para a realidade de que existem uma diversidade de interesses e pensamentos, e que, ao tentarmos fazer qualquer tipo de imposição, acabamos por, cada vez mais, nos isolando ao nosso próprio agrupamento, coibindo a colaboração e o progresso, fomentando a ignorância e muitas vezes o fanatismo. É o morador do condomínio proibindo a prática do futebol por outros condôminos, apenas por que não o pratica ou não simpatiza com esta atividade. É esquecermos de valorizar aquilo que nos une, focando apenas no que nos distingue, colocando um agrupamento contra o outro.

Grupos, turmas, tribos e confrarias, ao que pesem as suas tendências de exclusão daqueles indivíduos que possuem algum tipo de interesse ou pensamento contrário, devem ser estimulados sempre com muita cautela. De fato estes tipos de agrupamentos inicialmente facilitam a inclusão e o engajamento das pessoas, mas com o passar do tempo podem resultar em disputas, rompimentos, e polarizações, principalmente quando dominados por indivíduos com atitudes mais radicais e extremistas em alegada defesa dos interesses e pensamentos essenciais dos agrupamentos a que pertecem.

Acontece que organizar indivíduos em agrupamentos é inevitável. Se não somos nós que nos colocamos neles, são os outros que nos colocam, com o intuito de simplificarem a leitura sobre os nossos interesses e pensamentos, a partir da observação da coletividade a que fomos inseridos. Nas empresas, cuja necessidade de colaboração se expressa ainda de forma mais evidente, e cujos colaboradores geralmente expressam diversos tipos de interesses e pensamentos, o ideal é optarmos por um outro tipo de agrupamento - os times.

Diferentemente dos grupos, turmas, tribos, e confrarias, os times reúnem indivíduos com interesses e pensamentos diversos, que cooperam entre si em prol dos mesmos objetivos. Como um time diverso e heterogêneo aborda os problemas a partir de mais pontos de vistas, a tendência neste tipo de estrutura organizacional é fomentarmos a criatividade e a inovação, não raro encontrando soluções mais abrangentes, inclusive para problemas mais difíceis e complexos. Para os times, a diversidade de interesses e pensamentos é a sua fortaleza, que amplia possibilidades e amadurece relações, provocando crescimento individual e coletivo.

“Podemos ter todos vindo em navios diferentes, mas agora estamos todos no mesmo barco”, até Martin Luther King já entendia a diversidade de interesses e pensamentos, e a importância de colaborarmos para os mesmos objetivos, fazendo todos parte de um mesmo time. Agora é a nossa vez.

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