A verdadeira liberdade

A palavra Páscoa em português tem origem na palavra Pessach, que significa passagem em hebraico, e está relacionada à libertação da povo Hebreu da escravidão no Egito, evento ocorrido há mais de 3.500 anos atrás, e cujos acontecimentos estão ricamente detalhados no Livro Êxodo do Antigo Testamento.

Está lá, narrado de forma extremamente simbólica, que Deus pedira aos Hebreus a realização de uma festa, onde cordeiros foram sacrificados, e o seu sangue utilizado para marcar os umbrais das suas portas. Durante a noite, o anjo da morte passara por todas as casas, arrebatando os filhos primogênitos, e poupando aquelas famílias cujas casas estavam identificadas com o sangue do cordeiro. Após este evento, o povo Hebreu é autorizado a deixar o Egito, culminando com a sua peregrinação pelo deserto em direção à Canaã, a Terra Prometida. Relembrar esta série de acontecimentos deu origem a uma das festas religiosas mais importante do calendário Hebraico, a Festa da Libertação, a Festa de Pessach.

Era costume, portando, que todo Hebreu se deslocasse anualmente até o templo em Jerusalém para participar da sua celebração, e é exatamente durante uma delas, séculos depois do Êxodo, que, segundo relatos extraídos do Novo Testamento, o Hebreu Jesus Cristo é crucificado, ressuscitando 3 dias depois, exatamente no domingo da Páscoa Hebraica. O sacrifício extremo de Jesus, e a sua libertação da morte através da ressurreição, colocou a celebração da Páscoa de maneira definitiva também no calendário Cristão.

Fica difícil deixarmos de estabelecer paralelos entre estes dois acontecimentos, ou mesmo acharmos que eles aconteceram na mesma época do ano de forma casuística, quanto mais percebendo que eles evocam simbolismos muito similares, como o sofrimento que purifica, o sangue que salva, e o sacrifício do cordeiro que liberta, mas será que estes episódios estavam se referindo apenas a libertações físicas ?

Fundamentalmente todo escravo é aquele que é privado da sua liberdade, é aquele cujo livre arbítrio está restringido pela vontade de outra pessoa, por alguma espécie de poder, e até mesmo por alguma força incontrolável. Desta forma, indivíduos que se deixam dominar pelos seus vícios, criando uma dependência física e psicológica a algo ou alguém, se escravizam, e podem assim ser verdadeiramente chamados de escravos.

Portanto, escravos somos todos nós e todos aqueles que erram a medida, para mais ou para menos, na modulação de seus desejos e vontades. Tem gente que se vicia no excesso, e outros na escassez. Tem gente que é viciado em trabalhar muito, e outros em nada trabalhar. Outros são compulsivos demais, e outros recatados. Alguns são perfeccionistas ao extremo, enquanto outros são relapsos, omissos, e descuidados. Outros adoram abusar da sua força, do seu poder, da sua posição, das suas posses, enquanto outros se alegram em ser subjugados.

Em relação a vícios, tem de tudo um pouco, e nos livrarmos deles, nos libertarmos da escravidão imposta por nós mesmos, é, em última instância, disciplinarmos os nossos desejos e vontades, algo muito fácil de se falar, mas extremamente difícil de se fazer. O processo todo impõe restrições de toda sorte, inflige dores físicas, emocionais e psíquicas, necessitando da construção de novas referências, e, não raro, exigindo sacrifícios, pessoais e coletivos.

Estando tão desorientados, é obrigatório pois que nesta jornada possamos descobrir novos guias e modelos. Os primeiros, para nos conduzirem de maneira segura durante a peregrinação pelo nosso deserto interior, e, os demais, para termos um gabarito, um padrão, um molde a quem possamos nos espelhar, e encontrarmos a justa medida.

Sempre é bom não nos esquecermos que somos uma obra em construção, e que por isso não devemos esperar demonstrações angelicais de bondade e sabedoria nem em nós e em ninguém que está aqui nesta mesma jornada. O melhor é aceitarmos aquilo que nós somos, e trabalharmos para descobrirmos a cada dia uma versão de nós um pouquinho melhor do que aquela do dia anterior. Se engana aquele que espera ser perfeito para poder trabalhar, pois é no trabalho que nos aperfeiçoamos.

Aproveito para desejar a todos uma Feliz Páscoa. Que todos nós, independentemente de crenças e religiões, possamos aproveitar este momento para fazermos uma jornada de autoconhecimento, encontrando as forças e a direção que nos conduzam à nossa verdadeira liberdade.

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